CPS lança a pesquisa A Economia das Religiões

  A "Economia das Religiões" do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/IBRE/FGV) dá continuidade à linha de pesquisa lançada em abril de 2005, intitulada "Retratos da Religião Brasileira". O sítio lançado com a pesquisa disponibiliza o mais completo banco de dados da internet brasileira sobre o tema religião. A filosofia da pesquisa é dupla: por um lado, começar a testar empiricamente teses das relações entre economia e religião, resumidas abaixo, e por outro, que o usuário olhe para dados de realidade das religiões desde uma perspectiva própria. Isto significa permitir, a cada um, traçar o seu próprio roteiro de análise, ou que busque aprofundar questões de pontos abordados no nosso roteiro. A versão eletrônica do sumário da pesquisa L e desse texto permitem aprofundar num click de mouse aspectos de maior interesse através de links com componentes do sitio da pesquisa. Possibilitando estudar a religiosidade por categoria sócio-econômica e de percepção de condições de vida em nível de cada estado e capital brasileira L a partir de dados representativos em termos nacionais até então inexplorados, captando inflexões recentes da religiosidade brasileira após a virada do milênio L. Além disso, o acesso da composição religiosa para cada cidade brasileira, regiões administrativas e distritos no caso dos maiores municípios brasileiros a partir do processamento de Censos anteriores L e da abertura destas categorias por grupos sociais em cada localidade L, ou na abertura fina de denominações religiosas L possibilitada pelo tamanho das amostras levantadas. Esta interatividade seria o maior ganho proporcionado pela pesquisa "Economia das Religiões”.

Em termos substantivos, a pesquisa aplica ao contexto brasileiro recente, análises inspiradas no trabalho seminal de Max Weber:"A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", que aborda as correlações entre crenças e mobilidade social através de variáveis como escolhas ocupacionais (e.g. empreendedorismo e divisão do trabalho), financeiras (e.g. acumulação de capital e crédito) e educacionais (e.g. busca de níveis ensino mais altos). Estes pontos que ocupam lugar de destaque na argumentação desenvolvida pelo sociólogo alemão começam a ser estudados pela equipe do CPS no contexto brasileiro. Uma diferença entre a referência européia da ligação entre reforma protestante e desenvolvimento capitalista e aquelas estudadas no contexto brasileiro é o aumento relativo do número de evangélicos pentecostais em época de estagnação e instabilidade econômicas. Um paralelo é que, enquanto em Weber o protestantismo tradicional liberou o cidadão comum cristão da culpa católica de acumulação privada de capital, aqui os movimentos religiosos emergentes liberaram a acumulação privada de capital através da igreja. A maior ligação entre o espírito empresarial e a organização religiosa seria uma marca dos novos ramos religiosos hoje no Brasil - e na América Latina.

O contexto de estagnação econômica das chamadas décadas perdidas de 80 e 90 do século passado, especialmente a de 90 teria propiciado, tanto por elementos de demanda como de oferta, a busca de novas modalidades de inserção produtiva para lidar com as dificuldades materiais percebidas. A abordagem consiste em relacionar a demanda por novas opções religiosas a choques econômicos e sociais adversos, como as chamadas crises metropolitanas e de desemprego, violência, favelização, informalização, entre outras L. Neste caso identifica a emergência de grupos pentecostais e dos sem religião entre os grupos perdedores da crise econômica e, em particular, no que tange ao aspecto metropolitano da mesma. Por exemplo, a pesquisa demonstra que quando comparamos pessoas em condições similares (geografia, sexo, idade etc) àquelas sujeitas a maior percepção de violência entre outros indicadores de caos urbano tem maior chance de gravitar para fora da órbita católica L. Indicadores de deseconomias urbanas ligadas à percepção de baixa qualidade de vida através de elementos diversos como a presença de pouco espaço nas casas L, problemas ambientais L, barulho e violência na vizinhança L, renda L e alimentos insuficientes L ou baixa qualidade de acesso a serviços públicos L estão mais associados aos sem religião e aos pentecostais, que se encontram super-representados nestas estatísticas, com uma correspondente sub-representação dos católicos e de protestantes tradicionais. Os dados demonstram que a nova pobreza (e.g. periferia das grandes cidades mais desassistidas) estaria migrando para fora do status quo católico para dois extremos opostos: as novas igrejas pentecostais e para os sem religião enquanto a velha pobreza brasileira (e.g. nordeste rural assistido por programas sociais) continua religiosa e católica. L L.

Outras variantes das afinidades eletivas entre religião e condições materiais seriam àquelas associadas à chamada revolução feminina, que desempenha papel central na mudança de religiosidade recém-observada. Já que as mulheres continuam mais religiosas que os homens, 3,98% delas não possuem crença, contra 6,32% deles. Entre quem professa algum credo, isto é retirando os/as sem religião da amostra, 76,16% das mulheres são católicas contra 79,49% dos homens. Em 1940 a ordenação destas taxas entre sexos invertida correspondendo a 96% e 95%, respectivamente. Num grupo de cinqüenta religiões consideradas a predominância feminina se dá em 43 delas, sendo as exceções o islamismo, o judaísmo, o hinduismo e os três principais segmentos da religião católica L. Uma interpretação para as mudanças religiosas das mulheres testadas é que as alterações no estilo de vida feminino ocorridas nos últimos 30 anos no Brasil não encontraram eco na doutrina católica, menos afeita a mudanças. Questões centrais para as mulheres como contracepção, divórcio e como aborto são ainda tabus para a Igreja Católica, que tampouco incentiva a independência profissional das mulheres L.

A pesquisa aprofunda outros aspectos da relação entre religião e economia identificando também aspectos de oferta de religião associados às transformações recentes como a substituição do Estado por algumas denominações religiosas na sua função clássica de prover serviços sociais e de arrecadarem impostos. A pesquisa quantifica a partir de pesquisas de orçamentos familiares a cobrança de dízimo e doações para as igrejas em geral em 5.1 bilhões ano abrindo por grupo sócio-demográfico L e por atributos individuais L, identificando forte regressividade e maior dificuldade dos dizimistas de pagarem impostos e contas privadas L. Além disso, examina a microeconomia da oferta de pessoas exercendo ofícios de natureza religiosa dada a estrutura de incentivos de cada tipo de instituição religiosa L. Hoje haveria 17,9 vezes mais pastores evangélicos por fiel do que de padres por católicos.

A pesquisa teve considerável repercussão sendo objeto de debates e matérias nas Revistas Time, The Economist, Correio de la Sierra, La Liberacion, El Clarin entre outros veículos de comunicação internacionais L, nacionais L e locais L. A pesquisa cumpre pelo menos em parte a meta de permitir que pessoas em localidades brasileiras reflitam sobre a religiosidade no seu entorno. Vídeo curto L assim como o eco gerado em termos de rádio L, internet L, televisão L permitem angariar retorno de percepções da sociedade para a próxima fase da pesquisa.